O Rio de Janeiro é o espelho do Brasil. O que ocorre no Rio de Janeiro fatalmente se transmitirá em cadeia para os outros Estados da Federação. As questões de justiça criminal e ordem pública não fogem desta regra. Portanto, é estratégico manter a atenção, estudar o cenário, analisar as experiências e observar as políticas lá realizadas, ajudando no alcance dos objetivos. A solução desta guerra envolve leis duras e um Sistema de Justiça Criminal integrado, ágil, coativo e comprometido em garantir o direito da população à segurança pública.

segunda-feira, 24 de março de 2014

PACIFICAÇÃO EM XEQUE


ZERO HORA 24 de março de 2014 | N° 17742

ANDRÉ MAGS*


À espera das tropas federais. Especialistas afirmam que bandidos saíram de morros e se uniram para atacar UPPs e manchar imagem do Rio antes da Copa


Lançadas como salvação das favelas tomadas pelo crime em 2008, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) estão sendo rediscutidas no Rio de Janeiro. Os recentes ataques de criminosos contra as UPPs lançaram a dúvida se elas deixaram de cumprir o papel para o qual foram criadas – promover a aproximação entre a polícia e as comunidades –, em um levante de tal proporção que a Força Nacional de Segurança Pública deve ser enviada à cidade.

Apresidente Dilma Rousseff já sinalizou que deve liberar o envio das tropas às favelas cariocas, e o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), apresentou o pedido para que isso ocorra até o fim deste ano. A questão deve ser definida hoje, às 10h, em uma reunião entre Cabral, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general José Carlos de Nardi, o secretário de Segurança Pública do Estado, José Mariano Beltrame, e a cúpula da polícia. Na reunião, Beltrame apresentará um relatório sobre os ataques às UPPs e a articulação de criminosos que dominam o tráfico.

No pedido para Dilma, Cabral deve admitir que as forças estaduais são insuficientes para patrulhar e garantir a segurança em determinadas áreas da Capital. Somente depois da apresentação desse documento, a autorização será concedida. O envio das tropas – que não tem data para ocorrer–, porém, é criticado por especialistas. Um destes críticos é o sociólogo e doutor em ciências jurídicas pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniel Misse, que foi coordenador-geral do Programa UPP Social/Territórios da Paz. Para ele, já há policiais demais nas favelas, em uma proporção de 50 moradores para um PM.

– Será que mais policiamento traria uma solução? Não deveríamos procurar outras soluções? – questiona.

Há duas versões sobre o que acontece com as UPPs, uma do governo estadual e outra das favelas, diz Misse. A primeira diz que há um movimento de vingança dos traficantes expulsos dos morros. Eles formaram bondes e atacam as UPPs, inclusive para manchar o nome do Rio para a Copa do Mundo. A segunda versão é de que os ataques têm origem no ano passado (leia quadro), após tumulto e tiroteio na remoção em um prédio ocupado irregularmente em Manguinhos.

*Com agências


“O projeto precisa ser repensado”, diz especialista


Ignacio Cano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Lav-Uerj), afirma que sempre houve ataques contra as UPPs, agora eles estão mais intensos e concentrados em algumas regiões. Ele acredita que há uma crise no modelo, que precisava ter passado por uma reavaliação programada, mas isso nunca ocorreu.

Cano cita alguns problemas internos, como um consenso entre policiais de que trabalhar nas UPPs é um serviço de PM de “segunda divisão”. Outro fator é a localização das UPPs, que não ficam nas áreas com maiores índices de violência, como a Zona Oeste e a Baixada, e sim para garantir a segurança em pontos turísticos como a orla, a Zona Sul, o Centro e as proximidades de aeroportos.

– Sem dúvida, há uma situação de crise. O projeto precisa ser reavaliado e repensado. Há uma falta de investimento na melhoria das relações entre a comunidade e a polícia, que ainda são bastante tensas.

Para Marcos Rolim, jornalista, mestre em sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em segurança, o sistema de UPPs é positivo. Porém argumenta que o problema é a polícia fluminense, repleta de servidores corruptos e envolvidos em milícias tão letais às comunidades dos morros como os traficantes.

– A polícia tradicional do Rio é muito corrupta, muito violenta, cheia de vícios. Tentaram separar esses policiais das UPPs e estabelecer essa secção. Só que essa tentativa fracassa porque esses policiais acabam entrando em contato com o resto da polícia. E, a partir daí, acabam fazendo o que os outros policiais sabem fazer, que é prender pessoas, bater, torturar.

Rolim afirma que o programa das UPPs começou bem, com a contratação de recrutas, e não de integrantes antigos da corporação.

Só que, ao longo do tempo, houve uma aproximação entre os recrutas e os PMs corruptos. O especialista ainda opina que o modelo de UPP não é sustentável com essa polícia. Uma saída seria a desmilitarização da corporação.


HISTÓRICO DE CONFLITOS

- As primeiras UPPs foram instaladas em 2008 no Rio, e logo traficantes dos morros se rebelaram contra a iniciativa.

- Em 25 de novembro de 2010, correram o mundo as cenas de traficantes armados fugindo do Complexo do Alemão, transmitidas por redes de TV, uma operação para permitir a retomada da região e colocação de UPPs.

- Em março do ano passado, moradores foram fortemente reprimidos pela PM logo após terem sido removidos do prédio que ocupavam em Manguinhos.

- Em 14 de julho de 2013, o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, 43 anos, despareceu após ter sido levado por policiais à UPP da Rocinha, em uma ação contra o tráfico de drogas. Investigações revelaram que ele foi torturado e morto nas dependências da UPP.

- Em 16 de março deste ano, imagens de um cinegrafista amador mostram Cláudia Silva Ferreira sendo arrastada por 350 metros por um carro da PM no Morro da Congonha, no subúrbio do Rio. Ela foi morta por tiros em meio a uma ação desastrada da PM na favela.

- Ainda nesse mês, ataques em série contra as UPPs resultaram nas mortes de pelo menos três policiais. Desde 2012, são 11 PMs mortos em áreas de UPPs.

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